sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Nó e o Laço - Livro

Psiquiatra diz que escolhemos parceiros pela neurose, não pela beleza; leia trecho
da Livraria da Folha

Psiquiatra aborda obstáculos e particularidades na relação a dois

Psiquiatra e psicanalista, Alfredo Simonetti chama de "nó" as crises e dificuldades naturais e comuns pelas quais as uniões amorosas passam. Em seu livro "O Nó e o Laço", lançado no último mês, ele não propõe receitas para alcançar o "casamento perfeito", mas lança novo olhar sobre o maior desafio da humanidade: a relação humana.

A obra passa por diversos conceitos para fazer os leitores compreenderem a trajetória psicológica e comportamental de um relacionamento. Para isso, cita princípios de Freud, Lacan, Schopenhauer, Theodore Zeldini, entre outros estudiosos do comportamento humano.

Tudo isso para chegar na afirmativa de que uma crise amorosa não acontece necessariamente pela ausência de amor --em alguns casos, muito pelo contrário-- mas, sim, pela ausência do uso da palavra em forma do que o autor classifica de conversa amorosa.

Em quatro capítulos, o livro aborda, por exemplo, as diferenças individuais entre homem e mulher e o reflexo dessas particularidades na relação a dois, propõe o que fazer com os nós do casamento e esclarece, ainda, que o amor é estabelecido a três: ele, ela e a palavra.

Confira abaixo um trecho extraído do livro, em que Simonetti afirma que os humanos não escolhem um parceiro por sua beleza ou sucesso profissional. Segundo ele, a opção é feita pela pessoa que tem uma neurose que complemente a sua.

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As neuroses se casam

No começo do casamento, a pessoa acha que escolheu o parceiro pela beleza, pela inteligência, pelo sucesso, pelo corpo etc, porém, com os anos de convivência começa a se dar conta, alarmada, de que escolheu seu parceiro, entre outras coisas, porque ele completa sua própria neurose.

Sim, as neuroses também se casam e somos todos, num certo sentido, neuróticos, ou se preferirmos "normóticos". Aliás, o período de namoro é o tempo necessário para descobrir se nossas neuroses combinam. Escolhemos para casar quem nos completa - no bom e no mau sentido.

Se a pessoa tem uma tendência a se vitimizar, provavelmente escolherá um parceiro dominador; se a tendência for para ser um grande cuidador, ou controlador, certamente escolherá um parceiro carente. Duas pessoas dominadoras têm pouca chance de ficarem juntas por um tempo muito longo; todavia duas pessoas que gostem da disputa - sendo uma mais dominadora e a outra mais passiva - estas, sim, têm chance de um casamento longo, longo e repleto de reclamações justas: uma se queixando da dominação do outro, e o outro se queixando da falta de iniciativa do primeiro.

Queixar-se do outro sugere a presença de dois sentimentos, a antipatia e o antagonismo. A antipatia acontece quando não gostamos de alguém, quando não queremos ficar perto daquela pessoa. O antagonismo acontece quando discordamos de alguém, mas adoramos estar perto desse alguém, disputando, brigando - estejamos ou não conscientes disto. Vale dar um exemplo do mundo do futebol para entendermos melhor este tópico. Há pessoas que torcem para um time diferente do nosso, mas com quem encontrar para discutir, tirar um sarro etc. Isto é antagonismo, e ele aproxima. Se sentíssemos antipatia por essa pessoa, ao vê-la, mudaríamos de calçada apenas para não encará-la.

Boa parte do amor é feita de antagonismos, haja vista os jogos de sedução sexual, tão usados na luta amorosa para conquistar alguém. Nesses jogos, esse alguém a princípio não está disponível, o que parece aumentar o prazer de quem conquista.

Embora, do ponto de vista anatômico, a relação sexual seja complementar (afinal tudo se encaixa), nos comportamentos que antecedem o ato sexual em si - ou seja, na corte, na conquista, na sedução, no namoro - há disputa, há certo antagonismo.

Entre os que amam, geralmente um quer mais sexo que o outro, ou quer em hora em que o outro não está tão a fim - ou faz de conta que não está. Esta recusa, real ou fingida, acaba também sendo excitante para a maioria das pessoas, desde que não seja exagerada, e põe em andamento um jogo onde vencedores e vencidos se realizam. No fim das contas, o sexo satisfaz os impulsos amorosos tanto quanto os impulsos agressivos.

Eu te conheço: conheço?

"Eu te conheço, eu sei quando está acontecendo alguma coisa pelo jeito como você respira." - afirma a esposa desconfiada para o marido que acabara de lhe dizer: "Não é nada, não tenho nada."

De todas as ilusões do amor romântico há uma que geralmente se desfaz de uma maneira profundamente desconcertante: é a ideia de que realmente conhecemos a pessoa com quem estamos vivendo. Não é raro conviver com uma pessoa por muitos e muitos anos e, de repente, nos darmos conta de que não conhecemos essa pessoa.

Ela faz, ou sente coisas insuspeitadas, coisas que não imaginávamos nem admitíamos como possíveis. A partir do retumbante "Eu não acredito, não é possível!", o outro passa a ser um enigma, ou pior, uma fraude. Mas o mais provável é que o que o outro fez sempre foi uma possibilidade real, nós é que não podíamos ver. Não podíamos, porque ver significava sentir coisas ou ter que tomar atitudes para as quais não estávamos preparados.

No amor, conhecemos a pessoa amada da mesma maneira a que assistimos um filme: preenchemos com nossa imaginação os espaços vazios entre os fotogramas. Isto, porém, não é uma característica do amor, tem a ver com todos os tipos de relacionamento humano e chama-se idealização. O que acontece é que, no amor, pagamos muito caro por nossas tantas idealizações.

Essas idealizações não se referem apenas à pessoa amada, muitas vezes sofremos também pelas idealizações que construímos a respeito de nós mesmos, e uma das mais freqüentes é a da vítima inocente. Gostamos de pensar que somos um parceiro legal, que estamos fazendo tudo o que podemos pelo relacionamento e que o outro é que é um egoísta, quando não um sacana mesmo, que nos faz sofrer com suas maldades.

É preciso muito cuidado com esta historinha vitimosa, porque raramente existem bandidos e mocinhos no amor; estamos mesmo, os dois, tentando nos salvar de nossas próprias angústias. Marido e mulher são como dois náufragos que, nadando num mar de desejos e sentimentos conflitantes, acabam se encontrando, segurando-se um no outro e, com isto, salvando-se momentaneamente de morrer afogados ou de frio. Mas os dois são náufragos - ninguém está salvando ninguém.

Talvez seja mais produtivo pensarmos em termos de complementaridade. Para além das queixas contra o outro cabe sempre nos perguntarmos por que escolhemos esse outro para casar. As respostas serão surpreendentes, desde que sejam sinceras, é claro.

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