sábado, 30 de outubro de 2010

Eros e Psique: a lenda

Psique era a mais nova de três filhas de um rei de Mileto e era extremamente bela. Sua beleza era tanta que pessoas de várias regiões iam admirá-la, assombrados, rendendo-lhe homenagens que só eram devidas à própria Afrodite.

Profundamente ofendida e enciumada, Afrodite enviou seu filho, Eros, para fazê-la apaixonar-se pelo homem mais feio e vil de toda a terra. Porém, ao ver sua beleza, Eros apaixonou-se profundamente.
O pai de Psique, suspeitando que, inadvertidamente, havia ofendido os deuses, resolveu consultar o oráculo de Apolo, pois suas outras filhas encontraram maridos e, no entanto, Psique permanecia sozinha. Através desse oráculo, o próprio Eros ordenou ao rei que enviasse sua filha ao topo de uma solitária montanha, onde seria desposada por uma terrível serpente. A jovem aterrorizada foi levada ao pé do monte e abandonada por seu pesarosos parentes e amigos. Conformada com seu destino, Psique foi tomada por um profundo sono, sendo, então, conduzida pela brisa gentil de Zéfiro a um lindo vale.
Quando acordou, caminhou por entre as flores, até chegar a um castelo magnífico. Notou que lá deveria ser a morada de um deus, tal a perfeição que podia ver em cada um dos seus detalhes. Tomando coragem, entrou no deslumbrante palácio, onde todos os seus desejos foram satisfeitos por ajudantes invisíveis, dos quais só podia ouvir a voz.

Chegando a escuridão, foi conduzida pelos criados a um quarto de dormir. Certa de ali encontraria finalmente o seu terrível esposo, começou a tremer quando sentiu que alguém entrara no quarto. No entanto, uma voz maravilhosa a acalmou. Logo em seguida, sentiu mãos humanas acariciarem seu corpo. A esse amante misterioso, ela se entregou.. Quando acordou, já havia chegado o dia e seu amante havia desaparecido. Porém essa mesma cena se repetiu por diversas noites.

Enquanto isso, suas irmãs continuavam a sua procura, mas seu esposo misterioso a alertou para não responder aos seus chamados. Psique sentindo-se solitária em seu castelo-prisão, implorava ao seu amante para deixá-la ver suas irmãs. Finalmente, ele aceitou, mas impôs a condição que, não importando o que suas irmãs dissessem, ela nunca tentaria conhecer sua verdadeira identidade.
Quando suas irmãs entraram no castelo e viram aquela abundância de beleza e maravilhas, foram tomadas de inveja. Notando que o esposo de Psique nunca aparecia, perguntaram maliciosamente sobre sua identidade. Embora advertida por seu esposo, Psique viu a dúvida e a curiosidade tomarem conta de seu ser, aguçadas pelos comentários de suas irmãs.


Seu esposo alertou-a que suas irmãs estavam tentando fazer com que ela olhasse seu rosto, mas se assim ela fizesse, ela nunca mais o veria novamente. Além disso, ele contou-lhe que ela estava grávida e se ela conseguisse manter o segredo ele seria divino, porém se ela falhasse, ele seria mortal.

Ao receber novamente suas irmãs, Psique contou-lhes que estava grávida, e que sua criança seria de origem divina. Suas irmãs ficaram ainda mais enciumadas com sua situação, pois além de todas aquelas riquezas, ela era a esposa de um lindo deus. Assim, trataram de convencer a jovem a olhar a identidade do esposo, pois se ele estava escondendo seu rosto era porque havia algo de errado com ele. Ele realmente deveria ser uma horrível serpente e não um deus maravilhoso.
Assustada com o que suas irmãs disseram, escondeu uma faca e uma lâmpada próximo a sua cama, decidida a conhecer a identidade de seu marido, e se ele fosse realmente um monstro terrível, matá-lo. Ela havia esquecido dos avisos de seu amante, de não dar ouvidos a suas irmãs.

A noite, quando Eros descansava ao seu lado, Psique tomou coragem e aproximou a lâmpada do rosto de seu marido, esperando ver uma horrenda criatura. Para sua surpresa, o que viu porém deixou-a maravilhada. Um jovem de extrema beleza estava repousando com tamanha quietude e doçura que ela pensou em tirar a própria vida por haver dele duvidado.
Enfeitiçada por sua beleza, demorou-se admirando o deus alado. Não percebeu que havia inclinado de tal maneira a lâmpada que uma gota de óleo quente caiu sobre o ombro direito de Eros, acordando-o.

Eros olhou-a assustado, e voou pela janela do quarto, dizendo:
- "Tola Psique! É assim que retribuis meu amor? Depois de haver desobedecido as ordens de minha mãe e te tornado minha esposa, tu me julgavas um monstro e estavas disposta a cortar minha cabeça? Vai. Volta para junto de tuas irmãs, cujos conselhos pareces preferir aos meus. Não lhe imponho outro castigo, além de deixar-te para sempre. O amor não pode conviver com a suspeita."

Quando se recompôs, notou que o lindo castelo a sua volta desaparecera, e que se encontrava bem próxima da casa de seus pais. Psique ficou inconsolável. Tentou suicidar-se atirando-se em um rio próximo, mas suas águas a trouxeram gentilmente para sua margem. Foi então alertada por Pan para esquecer o que se passou e procurar novamente ganhar o amor de Eros.
Por sua vez, quando suas irmãs souberam do acontecido, fingiram pesar, mas partiram então para o topo da montanha, pensando em conquistar o amor de Eros. Lá chegando, chamaram o vento Zéfiro, para que as sustentasse no ar e as levasse até Eros. Mas, Zéfiro desta vez não as ergueram no céu, e elas caíram no despenhadeiro, morrendo.

Psique, resolvida a reconquistar a confiança de Eros, saiu a sua procura por todos os lugares da terra, dia e noite, até que chegou a um templo no alto de uma montanha. Com esperança de lá encontrar o amado, entrou no templo e viu uma grande bagunça de grãos de trigo e cevada, ancinhos e foices espalhados por todo o recinto. Convencida que não devia negligenciar o culto a nenhuma divindade, pôs-se a arrumar aquela desordem, colocando cada coisa em seu lugar. Deméter, para quem aquele templo era destinado, ficou profundamente grata e disse-lhe:
- "Ó Psique, embora não possa livrá-la da ira de Afrodite, posso ensiná-la a fazê-lo com suas próprias forças: vá ao seu templo e renda a ela as homenagens que ela, como deusa, merece."
Afrodite, ao recebê-la em seu templo, não esconde sua raiva. Afinal, por aquela reles mortal seu filho havia desobedecido suas ordens e agora ele se encontrava em um leito, recuperando-se da ferida por ela causada. Como condição para o seu perdão, a deusa impôs uma série de tarefas que deveria realizar, tarefas tão difíceis que poderiam causar sua morte.

Primeiramente, deveria, antes do anoitecer, separar uma grande quantidade de grãos misturados de trigo, aveia, cevada, feijões e lentilhas. Psique ficou assustada diante de tanto trabalho, porém uma formiga que estava próxima, ficou comovida com a tristeza da jovem e convocou seu exército a isolar cada uma das qualidades de grão.
Como 2ª tarefa, Afrodite ordenou que fosse até as margens de um rio onde ovelhas de lã dourada pastavam e trouxesse um pouco da lã de cada carneiro. Psique estava disposta a cruzar o rio quando ouviu um junco dizer que não atravessasse as águas do rio até que os carneiros se pusessem a descansar sob o sol quente, quando ela poderia aproveitar e cortar sua lã. De outro modo, seria atacada e morta pelos carneiros. Assim feito, Psique esperou até o sol ficar bem alto no horizonte, atravessou o rio e levou a Afrodite uma grande quantidade de lã dourada.
Sua 3ª tarefa seria subir ao topo de uma alta montanha e trazer para Afrodite uma jarra cheia com um pouco da água escura que jorrava de seu cume. Dentre os perigos que Psique enfrentou, estava um dragão que guardava a fonte. Ela foi ajudada nessa tarefa por uma grande águia, que voou baixo próximo a fonte e encheu a jarra com a negra água.

Irada com o sucesso da jovem, Afrodite planejou uma última, porém fatal, tarefa. Psique deveria descer ao mundo inferior e pedir a Perséfone, que lhe desse um pouco de sua própria beleza, que deveria guardar em uma caixa. Desesperada, subiu ao topo de uma elevada torre e quis atirar-se, para assim poder alcançar o mundo subterrâneo. A torre porém murmurou instruções de como entrar em uma particular caverna para alcançar o reino de Hades. Ensinou-lhe ainda como driblar os diversos perigos da jornada, como passar pelo cão Cérbero e deu-lhe uma moeda para pagar a Caronte pela travessia do rio Estige, advertindo-a:
- "Quando Perséfone lhe der a caixa com sua beleza, toma o cuidado, maior que todas as outras coisas, de não olhar dentro da caixa, pois a beleza dos deuses não cabe a olhos mortais."

Seguindo essas palavras, conseguiu chegar até Perséfone, que estava sentada imponente em seu trono e recebeu dela a caixa com o precioso tesouro. Tomada porém pela curiosidade em seu retorno, abriu a caixa para espiar. Ao invés de beleza havia apenas um sono terrível que dela se apossou.
Eros, curado de sua ferida, voou ao socorro de Psique e conseguiu colocar o sono novamente na caixa, salvando-a.
Lembrou-lhe novamente que sua curiosidade havia novamente sido sua grande falta, mas que agora podia apresentar-se à Afrodite e cumprir a tarefa.

Enquanto isso, Eros foi ao encontro de Zeus e implorou a ele que apaziguasse a ira de Afrodite e ratificasse o seu casamento com Psique. Atendendo seu pedido, o grande deus do Olimpo ordenou que Hermes conduzisse a jovem à assembléia dos deuses e a ela foi oferecida uma taça de ambrosia. Então com toda a cerimônia, Eros casou-se com Psique, e no devido tempo nasceu seu filho, chamado Voluptas (Prazer).

Colégio internacional oferece bolsas de estudo fora do país

IURI DE CASTRO TÔRRES
DE SÃO PAULO

Ísis estudou na Itália e conheceu gente do mundo todo

A UWC (United World Colleges) está com inscrições abertas para quem quiser se candidatar a uma das sete bolsas de estudos para os 13 colégios que a instituição mantém no mundo. O prazo é até 19 de novembro.

Voltadas para alunos que estão concluindo o 1º ano do ensino médio, as bolsas podem ser integrais ou parciais. Os aprovados estudam por dois anos fora do Brasil.

Criada na década de 50 pelo educador alemão Kurt Hahn, foi concebida como um ambiente multicultural.

Os colégios são mantidos com doações e convênios. Têm apoio da ONU.

"Aprendi a ser mais tolerante", conta Ísis Semenzato, 19, que estudou na Itália.

Breno Maciel, 18, de Belo Horizonte, chegou à Índia em agosto do ano passado.

Ele conta que a adaptação foi difícil, mas, todos os alunos estavam na mesma situação, e isso ajudou.

"Somos uma família formada por 70 nacionalidades, milhares de ideias e incontáveis sonhos", diz Breno.

Segundo Helena Ungaretti, uma das coordenadoras da UWC no Brasil, o processo de seleção tem três etapas: prova escrita, entrevista pessoal e convívio.

O perfil dos alunos é variado, mas proatividade e facilidade de adaptação contam. Todos os alunos têm de fazer atividades físicas, artísticas e de voluntariado.

Mais informações no site da UWC: www.uwc.org.br.

Maioria dos brasileiros desconhece sintomas do AVC, alertam especialistas

DA AGÊNCIA BRASIL

A cada cinco minutos, um brasileiro morre por causa de um AVC (acidente vascular cerebral), segundo dados da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), com base em informações do Ministério da Saúde. São quase 100.000 mortes por ano no Brasil. Nesta sexta-feira, no Dia Mundial de Combate ao AVC, especialistas alertam que a maioria dos brasileiros desconhece os sintomas da doença e não procura o médico.

Na maioria dos casos, o AVC, popularmente chamado de derrame, é causado pelo entupimento de uma artéria cerebral por um coágulo, impedindo o sangue de chegar a outras áreas do cérebro. "As pessoas esperam se vão melhorar e não procuram a emergência", alerta a integrante do Departamento de Doenças Cerebrovasculares da ABN, Sheila Martins.

Em 2008, uma pesquisa do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da USP (Universidade de São Paulo), perguntou a 800 pessoas nas ruas das cidades de Ribeirão Preto, São Paulo, Salvador e Fortaleza quais os sintomas do AVC. Somente 15,6% dos entrevistados sabiam o significado da sigla. Ainda segundo a pesquisa, a maioria dos entrevistados confundiu a doença com paralisia, congestão, trombose ou nervosismo. Os sintomas de um AVC são fraqueza ou dormência súbita em um lado do corpo, dificuldade para falar, entender ou enxergar, tontura repentina e dor de cabeça muito forte sem motivo aparente.

Para o neurologista e coordenador da pesquisa, Octávio Marques Pontes, o brasileiro não encara o AVC como uma doença que necessita de imediato atendimento médico, porque acha que não existe tratamento. "A doença está presente na vida das pessoas, mas a maioria vê como sem tratamento", disse. Pontes informou que, desde 2001, está disponível na rede pública e privada o tratamento trombolítico, que consiste na aplicação de remédios para desobstruir a artéria e restabelecer o fluxo sanguíneo, considerado o método mais eficaz.

A recomendação é que o paciente inicie o tratamento cinco horas após o aparecimento dos primeiros sintomas. O atendimento rápido aumenta em 30% as chances de sobrevivência, segundo Pontes. Um levantamento da Associção Internacional de AVC (ISS,em inglês) constatou que 15% dos pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral podem morrer ou sofrer novo problema no prazo de um ano.

Os especialistas alertam ainda que é possível prevenir o acidente vascular, desde que sejam adotados cuidados no decorrer da vida entre eles praticar exercícios físicos, ter alimentação saudável e evitar o fumo, o consumo de álcool, além de ficar em alerta com as taxas de pressão e do colesterol. A doença incide na população com mais de 65 anos, mas pode ocorrer em jovens e até recém-nascidos.

Além da prevenção, os médicos apontam a necessidade de ampliar a rede com tratamento específico para o AVC. Atualmente, 62 hospitais públicos e privados oferecem o tratamento adequado, contra 35 em 2008, segundo a neurologista Sheila Martins. "Temos ainda muito a fazer", alertou.

Em um ranking nacional feito pela neurologista, o Rio Grande do Sul aparece com a maior taxa de mortalidade por AVC no país 75 mortes por 100 mil habitantes. Em segundo lugar está o Rio de Janeiro, com 68 mortes por 100 mil habitantes, seguido pelo Piauí, por Pernambuco e pelo Paraná. O cálculo é baseado em estatísticas do Ministério da Saúde de 2007.

A Organização Mundial de AVC estima que uma em cada seis pessoas no mundo terá um acidente vascular cerebral na vida.

Risco de demência é 4 vezes maior entre idosos deprimidos

GUILHERME GENESTRETI

Idosos com depressão estão mais propensos à demência. O risco de desenvolver o quadro é quatro vezes maior nesses pacientes, segundo o psiquiatra Jerson Laks. Ele participa do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que vai até amanhã, em Fortaleza.

"A própria depressão, às vezes, é sinal de estágio inicial de demência", diz Laks, que coordena o centro de idosos do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Em torno de 60% dos pacientes com demência apresentam também quadros de depressão. "O diagnóstico para diferenciá-las é difícil e os médicos precisam estar preparados para suspeitar das duas doenças e tratá-las", alertou Laks. Fatores biológicos, como a progressiva atrofia do cérebro, e psicossociais, como isolamento, falta de suporte familiar, inatividade e exposição a situações de luto favorecem o aparecimento de distúrbios de humor nas pessoas mais velhas.

SEM TRATAMENTO

"No idoso, a depressão é diferente. E pode ser muito perigosa, porque aumenta ou agrava a incidência de problemas cardiovasculares.

A mortalidade de pacientes depressivos internados por causa dessas doenças é muito maior", diz Laks. O pior é que muitos idosos com depressão não são tratados. O diagnóstico não é feito, os sintomas são confundidos com os da própria velhice, segundo Sérgio Luis Blay, coordenador de psiquiatria geriátrica da Associação Brasileira de Psiquiatria.

"Pacientes e familiares pensam que tristeza e indisposição estão ligadas à idade e não buscam ajuda", diz Blay, alertando para a importância de consultar um médico em caso de mudança no comportamento do idoso.

PREVENÇÃO

Diagnosticada a depressão, o idoso deveria receber acompanhamento de grupos de apoio ou recorrer a sessões de psicoterapia. Falta suporte social para esse público, afirma Jerson Laks: "As famílias fazem tudo o que podem, mas faltam políticas públicas que informem sobre o problema e promovam centros de convivência para a terceira idade".

Os especialistas concordam que centros de convivência, grupos de reunião para práticas esportivas e viagens de lazer são muito importantes para prevenir a melancolia.

"Essas ações têm caráter mais social do que terapêutico, mas são essenciais, porque o isolamento e a inatividade podem desencadear a doença. Porém, se o problema já estiver instalado, é necessário contar com grupos de apoio e centros de saúde especializados, que são incipientes", afirma Blay.

"Não é só porque a pessoa é idosa que é normal ela ser depressiva. Esse estigma precisa mudar", conclui Laks. Com o estreitamento da pirâmide etária e o aumento do número de idosos, a depressão deve se tornar o maior desafio de saúde pública no futuro, segundo especialistas.

"A incidência de depressão entre idosos é muito alta e tende a ser crônica. Como é essa a faixa que mais cresce no mundo, a depressão será a doença mais preocupante", afirma Laks.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Violência psicológica cometida por familiares lidera ranking de violações aos direitos de crianças e adolescentes, revela pesquisa do Ceats/FIA

Estudo analisou 2.421 relatos de todo o país. Direito à alimentação é a segunda violação mais cometida

O Ceats (Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor), da FIA (Fundação Instituto de Administração) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República apresentam os resultados de pesquisa realizada sobre a aplicação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) no livro "Retratos dos direitos da criança e do adolescente no Brasil: pesquisa de narrativas sobre a aplicação do ECA". A pesquisa foi realizada pela equipe técnica do Ceats com apoio da Secretaria de Direitos Humanos e a cessão do acervo do concurso Causos do ECA* do portal Pró-Menino pela Fundação Telefônica.

Para a pesquisa foi feita a análise das narrativas reais inscritas nas edições de 2005 a 2009 do concurso "Causos do ECA". O livro representa um retrato da realidade na perspectiva e no âmbito da visão de mundo dos próprios atores, no momento em que eles sentiram que poderiam ser os autores espontâneos das narrativas analisadas. Para a professora doutora Rosa Maria Fischer, coordenadora do Ceats, esta pesquisa retrata a importância do Estatuto para a promoção dos direitos da criança e do adolescente. "Este estudo ilumina os esforços dirigidos pelo Estado e pela sociedade para a superação de desafios presentes no âmbito da garantia dos direitos desses públicos no país de modo a tornar efetivo o Estatuto da Criança e do Adolescente para todas as camadas sociais", comenta.

A análise das 1.276 histórias que foram classificadas como violação de direitos revelou que a violência psicológica cometida por familiares ou responsáveis foi o tipo de violação de direitos assegurados pelo ECA que apresentou mais elevada frequência nessas narrativas: 36%. Os outros quatro tipos de violação de direitos mais frequentes foram: privação do direito de alimentação (34,3%), abandono (34,2%), violência física cometida por familiares/responsáveis (25,8%) e violação ao direito de higiene (25,0%).

Seguem abaixo as 20 violações de direitos da criança e do adolescente mais frequentes:

Violações %
1 Violência psicológica cometida por familiares/responsáveis 36,0
2 Violação do direito à alimentação 34,3
3 Abandono 34,2
4 Violência física cometida por familiares/responsáveis 25,8
5 Violação do direito à higiene 25,0
6 Ambiente familiar violento 19,3
7 Indivíduo fora da escola por motivos diversos 18,1
8 Pais/responsáveis que não providenciam encaminhamento para atendimento médico ou psicológico 15,1
9 Trabalho infantil 11,9
10 Violência ou abuso sexual cometido por familiares/responsáveis 10,7
11 Condições inadequadas para o trabalho do adolescente 8,8
12 Baixa frequência às aulas 7,7
13 Violência psicológica cometida por não familiares/responsáveis 7,3
14 Violência ou abuso sexual cometido por não familiares/ responsáveis 6,7
15 Violência cometida por pares 6,2
16 Ausência de registro de nascimento ou outros documentos 6,0
17 Impedimentos ou constrangimentos para frequentar espaços e localidades 5,8
18 Cárcere privado 5,3
19 Adoção ou guarda irregular ou ilegal 4,8
20 Trabalho escravo ou forçado 4,7

No que tange à violação de direitos, o estudo revelou, ainda:

O abuso sexual cometido por familiares/responsáveis e por não familiares é maior no caso de crianças e adolescentes do sexo feminino com, respectivamente, 19,1% e 11,1%. Os meninos, por sua vez, são mais frequentemente violentados no que se refere aos direitos de alimentação (33,1%), abandono (35,6%) e indivíduo fora da escola (21%).
· A violação dos direitos de acesso à cultura, ao esporte e ao lazer é citada com menor frequência.

Tabela - Tipos agrupados das violações mais frequentes nos causos

Direito ao respeito e à dignidade 64,3
Direito à convivência familiar e comunitária 51,6
Direito à vida e à saúde 47,6
Direito à educação 31,8
Direito à profissionalização e à proteção ao trabalho 19,4
Direito à liberdade 13,0
Direito à cultura, ao lazer e ao esporte 5,0


A pesquisa identificou ainda que crianças e adolescentes doentes ou com deficiência têm chances muito maiores de terem os direitos à vida e à saúde violados; que o direito ao respeito e à dignidade é violado quando os personagens das histórias estão em situação de exploração sexual, ou quando cometeram atos infracionais; e que o direito à educação é violado com maior frequência entre jovens que são autores de atos infracionais, crianças e jovens com deficiência e usuários de drogas e/ou álcool.

Os cruzamentos de dados apontam que problemas, carências e dificuldades familiares estão associados à vulnerabilidade da criança e do adolescente e podem aumentar a probabilidade de ocorrência de violações de direitos.
Outra questão de interesse diz respeito à abrangência da solução proposta nos relatos. Algumas geram mudanças que afetam vários contextos e pessoas, para além daqueles que protagonizam o causo. São exemplos disso: a fundação de uma associação que se torna geradora de benefícios para diversas famílias; a implementação de serviços como a instalação de UTIs em hospitais; a construção de estruturas adaptadas a deficientes em escolas e outras semelhantes.
A partir de casos individuais, pode ocorrer uma ação política ou social cuja abrangência permite ampliar a atenção preventiva, que é a mais eficaz no sentido de evitar outras violações e legitimar a aplicação do ECA. São ações que visam interferir nos fatores de vulnerabilidade que propiciam ou intensificam as situações de violação de direitos, aperfeiçoando o atendimento qualificado e assegurando a eficácia da proteção integral. Já como atores e órgãos de Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), o estudo revelou que, nos causos classificados como de violação de direitos, o Conselho Tutelar, Sistema de Justiça e Escola/Secretaria de Educação são os agentes frequentemente citados.

Frequência de menções a cada ator e órgão do SGDCAIdentificou-se ainda no levantamento que o Conselho Tutelar se destaca na atuação contra todos os tipos de violação. "Isso ocorre devido à proximidade que o Conselho mantém com a população, em virtude de sua própria função, da natureza de seus serviços e de sua responsabilidade por atendimentos imediatos e encaminhamentos, o que o torna mais visível e conhecido do público que necessita de atendimento", afirma Rosa Maria.

Na maioria das 595 narrativas classificadas como histórias de vida (35,1% dos causos dessa categoria) os direitos dos protagonistas foram assegurados pela própria família e através de ONGs/projetos sociais (28,7%). Figuram também, com um pouco menos de destaque, as escolas (23,9%), as unidades de medidas socioeducativas (18,6%) e o Conselho Tutelar (17,5%) como instâncias que propiciaram essa vigência do Estatuto. É interessante notar que a família aparece nos causos de violação de direitos como o local onde essas experiências são vividas pelas crianças e adolescentes que protagonizam a história. No entanto, nos causos de história de vida, a família é o principal veículo da promoção de direitos.

O livro "Retratos dos direitos da criança e do adolescente no Brasil" está disponível em http://www.fundacaofia.com.br/ceats/pesquisa_causos.pdf.

* Causos do ECA - Promovido pelo Portal Pró-Menino, da Fundação Telefônica, o Concurso Causos do ECA premia histórias verídicas que relatam como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ajudou a transformar a vida de meninos e meninas.

Sobre o CEATS:O Ceats (Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor) foi oficializado como um programa institucional da FIA (Fundação Instituto de Administração) em 1998, e tem a missão de "Gerar e disseminar conhecimentos e práticas de gestão em Empreendedorismo Social através de pesquisas, cursos e publicações focados no Desenvolvimento Socioambiental Sustentável". O Ceats acompanha e participa das mais modernas pesquisas no campo da gestão social. A área da infância e juventude tem sido uma temática permanente, sendo desenvolvidas pesquisas nacionais, estudos e programas de capacitação.

Sobre a FIA: eleita por três vezes, desde 2005, como a melhor Escola de Negócios do Brasil, a FIA, um dos mais conceituados e respeitados centros educacionais do País, possui 30 anos de atuação no setor. A entidade, credenciada junto ao MEC (Ministério da Educação), atua em três frentes: consultoria, pesquisa e educação, capacitando-a para desenvolver estudos e prestar serviços nos mais variados campos de especialização da Administração. Todos os MBAs oferecidos pela instituição alcançaram credenciamento junto à The Association of MBAs (AMBA), sediada em Londres, que referencia importantes escolas de negócios pelo mundo. Outro reconhecimento relevante foi concedido pelo jornal britânico Financial Times. O MBA Executivo, oferecido pela FIA, ocupa a posição de número 25 no ranking dos melhores MBAs Executivos das Américas, sendo o único MBA brasileiro na classificação elaborada pelo jornal, que destaca, ainda, a qualidade do grupo de alunos: o 6° mais experiente do mundo.


Fonte:Psique

Entidades alertam sobre preconceito contra portadores de psoríase

DA AGÊNCIA BRASIL

No Dia Nacional de Combate à Psoríase, entidades de dermatologia do Brasil alertam para o preconceito que portadores da doença sofrem. Um dos principais obstáculos encontrados pelos pacientes hoje é a falta de informação por parte da sociedade. Especialistas afirmam que, por causa do desconhecimento, algumas pessoas mantêm o distanciamento dos portadores, achando que a doença é transmissível.

A psoríase é uma doença inflamatória de pele, crônica, não contagiosa e de causa ainda desconhecida que afeta de 1% a 3% da população, conforme dados da Psoríase Brasil. Caracteriza-se pelo aparecimento de lesões róseas ou avermelhadas, cobertas de escamas secas e esbranquiçadas que aparecem, em geral, no couro cabeludo, nos cotovelos e joelhos, podendo, em alguns casos, espalharem-se por toda a pele. A doença pode se manifestar logo após o nascimento ou em idosos, mas o mais comum é o início entre a segunda e a quarta décadas de vida.

De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia no Distrito Federal, Gilvan Ferreira Alves, a população, ao tomar conhecimento de que a doença não é transmissível, pode ajudar o paciente a ter um tratamento mais eficaz e uma qualidade de vida melhor.

"Esteticamente a psoríase causa repulsa, com o surgimento de placas avermelhadas. A população, tomando conhecimento de que ter contato direto com o portador da psoríase não trará nenhuma possibilidade de contágio, contribuirá consideravelmente na condução do tratamento", ressalta.

Membro da Abrapse (Associação Brasiliense de Combate à Psoríase), Elias Barros descobriu há nove anos que é portador da doença. Segundo ele, a grande dificuldade, à época, foi a fase do diagnóstico. Barros afirma que hoje procura ajudar outras pessoas a entender que é possível manter a qualidade de vida sendo portador da psoríase.

"Demorou um certo tempo para diagnosticar que eu era portador da psoríase. À época precisei de acompanhamento psicológico, porque infelizmente não havia informações claras sobre a doença e o preconceito, embora ainda exista hoje, era muito maior. Hoje eu procuro ajudar outras pessoas que têm a doença, mostrando que é possível viver bem."

Para o presidente da Abrapse, Walber Rocha, o esclarecimento sobre a doença será sempre um fator importante no combate ao preconceito. "Acreditamos que os pacientes e a família precisam ter uma vida saudável, longe de qualquer tipo de preconceito. Mas, para que isso aconteça, o governo precisa intensificar as campanhas em parceria com as entidades, oferecendo informações que ajudem a mudar esse quadro de preconceito, alertando também para aqueles que têm a doença e simplesmente desconhecem".

No Brasil, a rede pública de saúde oferece tratamento aos portadores de psoríase. Em casos em que há danos psicológicos, eles são encaminhados a profissionais da área para acompanhamento. Em todo o país serão articuladas ações de conscientização do combate à doença.

O site Psoríase Brasil reúne associações que promovem palestras e divulgam informações sobre a psoríase. O usuário pode ter informações sobre o que é a doença e grupos de apoio que podem fazer um trabalho paralelamente ao tratamento dermatológico.

Anorexia e bulimia revelam-se como sintomas histéricos contemporâneos

Obra analisa sintomas histéricos e desejos no contemporâneo

Paralisias nos braços ou pernas, desmaios e até cegueiras caracterizavam os sintomas das mulheres histéricas da antiguidade. Espasmos corporais também identificavam e marcavam o destino dessas figuras. Em um dos exemplos mais extremos, na Idade Média, as histéricas eram associadas à figuras demoníacas, e por isso eram queimadas em praças públicas a fim de "libertar" e "purificar" suas almas.

Atualmente, casos como os relatados são menos frequentes, mas isso não quer dizer que ainda não ocorram ou que os sintomas se manifestem de outras formas. Como analisa a psicanalista Denise Maurano no livro "Histeria: o Princípio de Tudo", a histeria hoje assume novas roupagens, sem deixar de lado, contudo, problemas inconscientes e de dimensões traumáticas. Para a autora, os "novos velhos" sintomas são anorexia, bulimia, obesidade, pânico, depressão e mania, que aparecem nas mais variadas versões nas quais as pessoas tentam lidar de uma forma subjetiva e mascarada com a falta. E em tempos de capitalismo pulsante, reforça a profissional, quem não sente falta de "algo".

"A histeria acaba por revelar-se para ele (Freud) não como uma patologia qualquer, mas como um modo de subjetivação. Ou seja, um modo de estar no mundo, de fazer laços e de operar com o desejo, funcionando como uma curiosa defesa frente à falta inerente à condição humana, uma vez que viver é estar sempre em busca de algo", escreve a psicanalista.

Além de apresentar a origem do termo histeria e trazer fatos históricos de casos analisados e que fundamentaram os princípios da psicanálise, Maurano contextualiza os sintomas no contemporâneo, debatendo as pulsões, o trauma e as relações de desejo.

Leia trecho.

Aqui cabe a observação: em tempos de primazia da libido, portanto de apologia do objeto, não é ao acaso que a dita doença do pânico tome a cena, assim como tantos outros transtornos que poderiam ser denominados como relativos às relações de objetos. Nesse rol podemos incluir tanto a anorexia e a obesidade quanto as toxicomanias, o alcoolismo, a chamada síndrome do pânico.

Em seu parentesco próximo com a fobia, essa última revela-se sinal de alarme frente à angústia da confrontação não propriamente com um objeto, mas com a falta do Outro enquanto mediador, falta essa que o objeto fóbico vem recobrir, funcionando como recurso para delimitação do mundo no qual o sujeito arrisca perder-se.

Fonte: Livraria da Folha

Índice de suicídios no Brasil é problema de saúde pública, diz especialista

GUILHERME GENESTRETI

No Brasil, 25 pessoas se matam por dia, fazendo do país o 11º colocado no ranking mundial de suicídios, segundo dados da Organização Mundial da Saúde.

As informações foram divulgadas pelo psiquiatra Neury José Botega, professor da Unicamp, durante a 28ª edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que escolheu a prevenção do suicídio como um dos temas principais. O encontro, em Fortaleza, vai até sábado (30).

"A questão do suicídio é realmente um problema de saúde pública porque temos um alto índice de pessoas que estão passando por muito sofrimento e que poderiam ter sido ajudadas caso não tivessem se matado", afirmou à Folha.

Segundo ele, os dados de suicídio podem ser ainda maiores do que os divulgados oficialmente, já que não é raro que muitos casos acabem recebendo outra caracterização na certidão de óbito: "O medo de não receber o dinheiro do seguro pode fazer com que muitas famílias pressionem os médicos a atestar falência múltipla dos órgãos em vez de suicídio".

Botega afirma que o aumento dos casos de depressão e de consumo de álcool e drogas são sinais preocupantes e que podem justificar o aumento dos índices de suicídio, principalmente entre adultos jovens: "São pessoas entre os 25 e os 40 anos que estão numa fase produtiva da vida. A competitividade e a solidão nas grandes cidades são alguns dos pacotes de alta tensão social que favorecem a uma sensação de desamparo e aumentam as formas alternativas de sentir prazer, como recorrer às drogas e ao álcool."

Segundo ele, os sinais de que alguém está cogitando tirar a própria vida não podem ser ignorados: "Aqui não vale a máxima do 'cão que ladra não morde'. Muitas vezes a pessoa dá sinais, fala até mesmo vagamente em se matar, mas acaba não sendo levada a sério".

ESTRATÉGIA
O psiquiatra apresentou no congresso dados de uma pesquisa internacional realizada pela OMS de que ele participou, comparando estratégias de prevenção ao suicídio.

Ao todo, foram analisadas 1.867 pessoas que tentaram o suicídio em cinco cidades do mundo. Após terem alta do hospital, metade delas recebeu o tratamento usual --mero encaminhamento a um serviço de saúde-- e a outra metade teve um acompanhamento intensivo, com entrevistas motivacionais e contatos telefônicos periódicos por 18 meses.

Ao final do experimento, apenas 0,2% das pessoas que receberam acompanhamento intensivo chegaram a praticar o suicídio, taxa dez vezes menor do que no grupo que recebeu o tratamento usual.

"O contato telefônico periódico criava uma rede de apoio e ajudava a pessoa que já tinha tentado se matar a ressignificar o que havia acontecido na vida dela", diz.

O jornalista GUILHERME GENESTRETI viajou a convite da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Fonte: Folha.com

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

“Normose”, um desconforto emocional estatisticamente comum.


“Normose”, um desconforto emocional estatisticamente comum.
O termo “Normose” é sugerido no livro “Normose: a patologia do normal”, do filósofo francês Jean-Yves Leloup. Trata-se de um desconforto emocional que acomete a pessoa, apesar de tudo estar absolutamente normal em sua vida, ou seja, apesar de estar tudo conforme as normas recomendadas para a felicidade. Aliás, estando tudo bem e normal, parece haver um fortíssimo apelo cultural para que a pessoa seja, obrigatoriamente, feliz.

Segundo Pierre Weil, a normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou agir aprovados por consenso geral ou pela maioria em determinada sociedade e que pode provocar sofrimento, doença e morte.

A necessidade de se aprofundar na normose é exigência do cotidiano da clínica psiquiátrica. O paciente entra, senta na sua frente e diz: “- Doutor, de repente me vem um pensamento desconfortável, mais ou menos me questionando sobre o que estou fazendo aqui, uma angústia sobre o sentido de minha vida, um balanço meio pessimista sobre o que fiz esses anos todos...”.
Assim os psiquiatras são incomodados com uma dúvida: como vamos tratar quem não tem um diagnóstico psiquiátrico? Antes disso, aparece a dúvida sobre o emprego das palavras terapia, terapêutica, tratamento para a pessoa que não tem diagnóstico ou não está doente.

Apreciei o termo normose por ser adequado às situações do dia-a-dia de psiquiatras e psicólogos, no atendimento de pessoas queixosas de angústia, ansiedade, depressão e estresse sem que o quadro satisfaça critérios das classificações e manuais de psicopatologia, sem que se detecte uma causa aparente para esses transtornos. Não obstante, indiferentes aos critérios da psicopatologia esses pacientes se sentem mal ou, como me disse um deles, “- não que eu sinta algum mal estar doutor, mas sinto profundamente uma falta de bem estar”.

O professor Sérgio Cruz Lima, em artigo publicado no Diário Popular fala sobre o “Conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar e agir, aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte” Trata-se da normose que é patológica e letal, executada sem que seus autores e atores tenham consciência de sua natureza doentia.

A despeito do consenso e conjunto cultural de normas existe, além da normose, a normalidade saudável, que enriquece o existir humano, assim como a normalidade neutra, que não leva ao sofrimento, mas também não acrescenta nada, como o hábito de almoçar ao meio-dia ou fazer amor aos sábados.

A conseqüência da normose faz o paciente experimentar uma sensação de culpa pelo mal estar existencial que sente apesar de tudo estar funcionando normalmente; ele não tem problemas profissionais expressivos, não tem problemas familiares excepcionais, não tem problemas de saúde, sociais, financeiros, enfim, de acordo com o hábito de pensar, sentir e agir recomendado pelo consenso social, tudo deveria estar bem. Não obstante, apesar de tudo estar objetivamente normal essa pessoa sofre, tem angústia, experimenta sentimentos de natureza doentia diante de procedimentos subjetivos.

O conflito e sensação de culpa por estar se sentindo mal apesar das coisas estarem aparentemente supernormais decorre da crença bastante enraizada, segundo a qual tudo o que a maioria das pessoas deseja, pensa, sente, acredita ou faz, deve ser considerado normal e, por conseguinte, deve servir de guia para a felicidade de todo mundo. Entretanto, a pessoa que está diante do psicólogo ou psiquiatra não se sente feliz, apesar de todos pensarem que ela deveria estar feliz.

NIILISMO, FRUSTRAÇÃO E NORMOSE
Diante desse mal estar normótico a pessoa pode apresentar um quadro emocional de frustração inespecífica ou um certo niilismo. Segundo Eunice Carvalho, niilismo significa uma perda de ideal pelo desaparecimento de uma referência desejável e mobilizadora, e se revela por uma atitude meramente contemplativa pelo desalento. O niilismo, segundo Rossano Pecoraro, é a desvalorização e morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta aos “porquês”. Como assinala ainda - "... (o niilismo), não só diagnostica a doença do nosso tempo, como tenta indicar um remédio".

Por um lado, o niilismo provém do desencanto causado pela profanização da cultura ocidental do mundo moderno, visto que as concepções religiosas ou outros valores se desintegram, por outro lado, o nihilismo surge numa espécie de momento da modernidade (pós-romantismo), também marcada pela ausência de valores absolutos.

Procuramos detectar uma atitude niilista em pacientes com o mal estar emocional normótico, parodiando esse niilismo da filosofia descrito brevemente acima. Principalmente porque o niilismo pode ser considerado um movimento negativo, quando faz prevalecer os traços destruidores, o declínio, o ressentimento, a incapacidade de avançar, a paralisia e o “vale-tudo” permitido.

É o desencantamento e a desesperança do niilismo o que mais chama atenção na atitude emocional da normose. Apesar de tudo estar normal, assustadoramente normal, há um desencantamento e uma desesperança na afetividade da pessoa que apresenta uma atitude normótica. Parece haver uma frustração retroativa, referente às coisas que não saíram como pretendido, uma frustração futura, referente às perspectivas pessimistas e uma frustração atual, porque o destino não coincide simultaneamente com a vontade.

Trazendo a afirmação de Pecoraro sobre “...a ausência de finalidade e de resposta aos “porquês” da normose, como conseqüência vemos que o paciente segue normas, conceitos, estereótipos e hábitos de pensar coletivos sem questionar a validade e o propósito disso tudo, sem procurar os “porquês”. Pessoas se conduzem como autômatos obedientes sem noção da finalidade de suas atitudes, com um grande espaço vazio onde deveria estar o ajuizamento e a valorização da existência. De fato, a frustração dispara de rédeas soltas.

A normose, que resulta de um conjunto de crenças, opiniões, atitudes e comportamentos considerados normais e em torno dos quais existe um consenso de normalidade, acaba tendo conseqüências patológicas e/ou letais. Na realidade temos efeitos nocivos da normose no meio ambiente por conta do uso de agrotóxicos e inseticidas, na área da saúde geral através do consumo de drogas, cigarro ou álcool, na área social onde se considera normal a banalização da violência e em quase todas as áreas da atividade humana, passando pela informática e pela moral.

Na psiquiatria os efeitos da normose dizem respeito à vacuidade existencial, ao vazio de valores, de propósitos, objetivos e metas. Alguns próprios sintomas anteriormente considerados francamente neuróticos hoje são tidos como normais.

FONTE: PSIQWEB