sexta-feira, 8 de outubro de 2010

“Normose”, um desconforto emocional estatisticamente comum.


“Normose”, um desconforto emocional estatisticamente comum.
O termo “Normose” é sugerido no livro “Normose: a patologia do normal”, do filósofo francês Jean-Yves Leloup. Trata-se de um desconforto emocional que acomete a pessoa, apesar de tudo estar absolutamente normal em sua vida, ou seja, apesar de estar tudo conforme as normas recomendadas para a felicidade. Aliás, estando tudo bem e normal, parece haver um fortíssimo apelo cultural para que a pessoa seja, obrigatoriamente, feliz.

Segundo Pierre Weil, a normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou agir aprovados por consenso geral ou pela maioria em determinada sociedade e que pode provocar sofrimento, doença e morte.

A necessidade de se aprofundar na normose é exigência do cotidiano da clínica psiquiátrica. O paciente entra, senta na sua frente e diz: “- Doutor, de repente me vem um pensamento desconfortável, mais ou menos me questionando sobre o que estou fazendo aqui, uma angústia sobre o sentido de minha vida, um balanço meio pessimista sobre o que fiz esses anos todos...”.
Assim os psiquiatras são incomodados com uma dúvida: como vamos tratar quem não tem um diagnóstico psiquiátrico? Antes disso, aparece a dúvida sobre o emprego das palavras terapia, terapêutica, tratamento para a pessoa que não tem diagnóstico ou não está doente.

Apreciei o termo normose por ser adequado às situações do dia-a-dia de psiquiatras e psicólogos, no atendimento de pessoas queixosas de angústia, ansiedade, depressão e estresse sem que o quadro satisfaça critérios das classificações e manuais de psicopatologia, sem que se detecte uma causa aparente para esses transtornos. Não obstante, indiferentes aos critérios da psicopatologia esses pacientes se sentem mal ou, como me disse um deles, “- não que eu sinta algum mal estar doutor, mas sinto profundamente uma falta de bem estar”.

O professor Sérgio Cruz Lima, em artigo publicado no Diário Popular fala sobre o “Conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar e agir, aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte” Trata-se da normose que é patológica e letal, executada sem que seus autores e atores tenham consciência de sua natureza doentia.

A despeito do consenso e conjunto cultural de normas existe, além da normose, a normalidade saudável, que enriquece o existir humano, assim como a normalidade neutra, que não leva ao sofrimento, mas também não acrescenta nada, como o hábito de almoçar ao meio-dia ou fazer amor aos sábados.

A conseqüência da normose faz o paciente experimentar uma sensação de culpa pelo mal estar existencial que sente apesar de tudo estar funcionando normalmente; ele não tem problemas profissionais expressivos, não tem problemas familiares excepcionais, não tem problemas de saúde, sociais, financeiros, enfim, de acordo com o hábito de pensar, sentir e agir recomendado pelo consenso social, tudo deveria estar bem. Não obstante, apesar de tudo estar objetivamente normal essa pessoa sofre, tem angústia, experimenta sentimentos de natureza doentia diante de procedimentos subjetivos.

O conflito e sensação de culpa por estar se sentindo mal apesar das coisas estarem aparentemente supernormais decorre da crença bastante enraizada, segundo a qual tudo o que a maioria das pessoas deseja, pensa, sente, acredita ou faz, deve ser considerado normal e, por conseguinte, deve servir de guia para a felicidade de todo mundo. Entretanto, a pessoa que está diante do psicólogo ou psiquiatra não se sente feliz, apesar de todos pensarem que ela deveria estar feliz.

NIILISMO, FRUSTRAÇÃO E NORMOSE
Diante desse mal estar normótico a pessoa pode apresentar um quadro emocional de frustração inespecífica ou um certo niilismo. Segundo Eunice Carvalho, niilismo significa uma perda de ideal pelo desaparecimento de uma referência desejável e mobilizadora, e se revela por uma atitude meramente contemplativa pelo desalento. O niilismo, segundo Rossano Pecoraro, é a desvalorização e morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta aos “porquês”. Como assinala ainda - "... (o niilismo), não só diagnostica a doença do nosso tempo, como tenta indicar um remédio".

Por um lado, o niilismo provém do desencanto causado pela profanização da cultura ocidental do mundo moderno, visto que as concepções religiosas ou outros valores se desintegram, por outro lado, o nihilismo surge numa espécie de momento da modernidade (pós-romantismo), também marcada pela ausência de valores absolutos.

Procuramos detectar uma atitude niilista em pacientes com o mal estar emocional normótico, parodiando esse niilismo da filosofia descrito brevemente acima. Principalmente porque o niilismo pode ser considerado um movimento negativo, quando faz prevalecer os traços destruidores, o declínio, o ressentimento, a incapacidade de avançar, a paralisia e o “vale-tudo” permitido.

É o desencantamento e a desesperança do niilismo o que mais chama atenção na atitude emocional da normose. Apesar de tudo estar normal, assustadoramente normal, há um desencantamento e uma desesperança na afetividade da pessoa que apresenta uma atitude normótica. Parece haver uma frustração retroativa, referente às coisas que não saíram como pretendido, uma frustração futura, referente às perspectivas pessimistas e uma frustração atual, porque o destino não coincide simultaneamente com a vontade.

Trazendo a afirmação de Pecoraro sobre “...a ausência de finalidade e de resposta aos “porquês” da normose, como conseqüência vemos que o paciente segue normas, conceitos, estereótipos e hábitos de pensar coletivos sem questionar a validade e o propósito disso tudo, sem procurar os “porquês”. Pessoas se conduzem como autômatos obedientes sem noção da finalidade de suas atitudes, com um grande espaço vazio onde deveria estar o ajuizamento e a valorização da existência. De fato, a frustração dispara de rédeas soltas.

A normose, que resulta de um conjunto de crenças, opiniões, atitudes e comportamentos considerados normais e em torno dos quais existe um consenso de normalidade, acaba tendo conseqüências patológicas e/ou letais. Na realidade temos efeitos nocivos da normose no meio ambiente por conta do uso de agrotóxicos e inseticidas, na área da saúde geral através do consumo de drogas, cigarro ou álcool, na área social onde se considera normal a banalização da violência e em quase todas as áreas da atividade humana, passando pela informática e pela moral.

Na psiquiatria os efeitos da normose dizem respeito à vacuidade existencial, ao vazio de valores, de propósitos, objetivos e metas. Alguns próprios sintomas anteriormente considerados francamente neuróticos hoje são tidos como normais.

FONTE: PSIQWEB

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