RACHEL BOTELHO
da Folha de S.Paulo
Para uma parcela crescente de filhos de casais separados, faz parte da rotina acordar na casa do pai e dormir na casa da mãe (ou vice-versa). Essa situação ganhou mais força em 2008 com a aprovação de uma lei que determina que, quando não há acordo sobre a guarda do filho, a guarda compartilhada pode ser aplicada. Segundo profissionais e associações de pais ouvidos pela Folha, a tendência é que a divisão da guarda se torne a regra também na prática.
Embora a guarda compartilhada não envolva, obrigatoriamente, uma divisão equilibrada do tempo de convívio da criança com o pai e a mãe, ela facilita essa situação porque ambos passam a ser igualmente responsáveis pelos filhos. "Compartilhar a guarda é compartilhar também as decisões sobre a vida da criança: onde ela vai estudar, que esporte vai fazer, como vai ser gasto o dinheiro", diz Analdino Paulino, presidente da Apase (Associação de Pais e Mães Separados).
Casais em litígio ainda têm dificuldade para obter esse tipo de acordo, assim como aqueles que moram em cidades diferentes, mas, segundo pais e profissionais, essas são situações em que ela se faz mais necessária. "Se o casal se entende, nem precisa ter a guarda compartilhada no papel. Já a mãe que tem a intenção de afastar o pai da criança toma todas as decisões sozinha", diz a terapeuta familiar Roberta Palermo.
A advogada Sandra Regina Vilela, especialista em direito de família, diz que, se os pais brigam por tudo, compartilhar a guarda é "impossível". Mas algumas vezes, o conflito pode ser mitigado. Segundo ela, é uma realidade recente os pais quererem conviver com os filhos e participar de decisões sobre suas vidas. "Eles não aceitam mais o papel de provedor e só. Mas as mulheres resistem à guarda compartilhada no papel. Para elas, é como abrir mão de algo próprio da mulher", diz.
Para Palermo, muitos pais nem pensam em ter a guarda do filho, assim como vários juízes resistem a entregá-la ao pai, mas é hora de mudar isso.
Brinquedos e uniforme em dobro
O publicitário Alexandre Borges, 39, divide com a ex-mulher as responsabilidades sobre a filha, Giulia, 7, desde a separação, três anos atrás. O processo, segundo ele, foi natural. "Sempre fui muito participativo e tinha uma relação muito forte com minha filha", afirma.
Quando Giulia era bebê, ele mostrava tanta desenvoltura com as fraldas que seus amigos chamavam-no de "folguista". "Eles brincavam porque, quando a babá não estava, eu assumia essas tarefas."
Depois de "muita conversa e muita negociação", segundo ele, a ex-mulher aceitou selar um acordo de convivência e responsabilidade compartilhadas. Mesmo assim, a adaptação foi complicada. Tudo era novidade: a casa do pai, a casa da mãe, o novo padrasto. "Tivemos maturidade para conduzir esse processo e lutei para que discussões sobre outros assuntos não contaminassem essa [sobre a relação com a filha]."
Hoje, a menina divide os fins de semana e as férias entre os pais, mas passa a maior parte do período letivo com a mãe. Às terças e em quintas alternadas, dorme na casa do pai. "Não é meu sonho. Acontece também de eu levá-la a outras atividades, mas tento não ser invasivo no tempo dela com a mãe", diz, ressaltando que Giulia tem duas casas completas --com brinquedos, roupas, uniforme duplicados, inclusive.
Uma psicóloga acompanha a garota de perto e sempre que há sinais de crise todos se encontram no consultório. "Acho que parte do sucesso se deve a isso."
Segundo ele, é positivo o fato de ambos dividirem as responsabilidades em relação aos interesses da filha e às decisões que precisam tomar sobre seus estudos e sua saúde. Já as decisões "pequenas", sobre dormir ou não na casa de uma amiga, por exemplo, nem sempre são compartilhadas.
Para Alexandre, esse sistema ajudou ainda a reduzir a tensão pós-separação. "É como um air bag. Ninguém quer bater o carro, mas, se bater, pelo menos não dá com a cara no vidro."
"Uma criança precisa de pai e mãe presentes para crescer e se desenvolver com qualidade", diz. A terapeuta é contra a alternância de casas, no entanto. "Pode gerar um caos." Uma alternativa seria morar em bairros próximos, o que permitiria ao pai levá-la à escola e a outras atividades, por exemplo.
Para a professora de psicologia e psicanálise da USP e da PUC-SP Miriam Debieux Rosa, passar cada dia em uma casa diferente é apenas uma das formas de dividir a guarda do filho e talvez não seja a ideal porque traz dificuldades de ordem prática. "Vejo uma queda no rendimento das crianças por conta de dormir cada hora num lugar, não se fixar, não ter uma casa que seja o centro de suas coisas. E, quanto menor ela é, mais difícil para se adaptar à mudança de rotina", afirma.
Além de morar perto para facilitar buscar objetos eventualmente esquecidos, os pais têm que verificar, com a criança, se o material escolar está sendo levado para a casa do outro ou para a escola e se a lição foi feita. "Isso acarreta uma perda de autonomia para a criança. Nas fases de prova, vale deixá-la em uma só casa para que a criança possa se concentrar", sugere.
Na opinião de Silvana Rabello, psicanalista e professora de psicologia da PUC-SP, a complexidade da rotina não deve ser pretexto para evitar um acordo com duas casas. "O que está em jogo não é a praticidade da vida. Para a criança pequena, toda a vida subjetiva ainda está em constituição. Nesse sentido, os pais têm um papel fundamental a exercer: ensinar um olhar sobre o mundo, a lidar com a angústia, com as relações humanas", acredita.
Daí a importância de a criança conviver tanto com o pai quanto com a mãe, em sua opinião. "Poder usufruir dos recursos dos dois é uma riqueza. Quando um exagera, o outro faz o contraponto. Vejo crianças que sofreram danos imensos por terem ficado com a mãe quando o pai era a figura amorosa marcante na vida dela", afirma Rabello.
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