Por Alessandro Vieira dos Reis
Em vez de se perder em teorias e modelos abstratos de patologias, o terapeuta comportamental atém-se à realidade do cliente, busca entender como ele funciona
Há dois episódios de Os Simpsons em que a família mais divertida da tevê procura terapia. No primeiro Homer Simpson, esposa e filhos vão se tratar com o doutor Marvin Monroe, terapeuta comportamental que aplica um procedimento clínico chamado por ele de "Terapia Aversiva". A técnica consiste no cliente aplicar choques, apertando botões de uma engenhoca, em quem ele deseja punir. Em outro episódio, os Simpsons vão ao consultório do doutor B. F. Sherwood (uma óbvia referência a B. F. Skinner, criador do Behaviorismo Radical). Já desse segundo terapeuta, saem rindo de sua irritação ao não conseguir mantê-los sob controle no consultório.
Essas piadas são expressivas para ilustrar uma representação social comum da Terapia Comportamental (TC): de que se trata de algo estritamente maquinal, sem sensibilidade e mesmo aversiva ao cliente. O objetivo deste artigo é mostrar como esse conceito muito comum sobre a TC é, na verdade, um preconceito que não sobrevive em quem aceita conhecê-la melhor.
Diferente de outras terapias que já contam com quase um século, as modalidades mais atuais de terapia comportamental têm pouco mais de 20 anos. O livro Terapia comportamental, escrito por Ângelo Pacheco, em 1979, pontua que a TC tinha, então, pouco mais de 20 anos. Ocorre que as modalidades mais praticadas atualmente nasceram por volta de 1970-1980 (como a Functional Analytic-Therapy).
Em suma, esse curto intervalo de tempo representa obstáculo para a divulgação da TC em universidades e cursos de formação. E, mais curto ainda, especialmente no Brasil, para sua absorção no senso comum. Em português há pouco material, a não ser artigos em periódicos especializados. Uma busca, em uma livraria, por terapia comportamental, é bem provável que ache apenas livros americanos e sobre terapia cognitiva ou cognitivo-comportamental com enfoque psiquiátrico para transtornos específicos (sobre TDAH, Pânico, Depressão etc.).
É importante, antes de qualquer coisa, discernir o seguinte: é melhor falar de Terapias Comportamentais - assim mesmo, no plural - que possuem uma mesma matriz filosófica e científica, mas se desenvolveram rumo a diferentes modalidades e gêneros. Fica entendido como TCs as terapias que se fundamentam na filosofia chamada Behaviorismo Radical, que determina que o objeto de estudo da Psicologia é o comportamento (seja ele observável ou encoberto) e que esse comportamento pode ser estudado com base em métodos científicos. O Behaviorismo Radical foi inventado por B. F. Skinner com duas grandes inovações sobre seus antecessores: a) o estudo dos comportamentos encobertos (pensar, sonhar, imaginar) e b) a superação do modelo clássico de condicionamento pavloviano (que estipulava que todo o comportamento era explicado por associações do tipo S->R, isto é, estímulos determinam respostas).
Certas atitudes filosóficas são matrizes do Behaviorismo Radical e, dentre elas, o Pragmatismo (que determina que o valor de uma idéia está nas conseqüências concretas de seu uso); o Funcionalismo (que determina que as coisas devem ser estudadas como eventos contextualizados); e o Evolucionismo (pelo qual eventos são reforçados mediante suas conse- qüências adaptativas).
Como Tudo Começou
Os antecedentes filosóficos das TCs encon- tram-se no Funcionalismo da Física de Ernst Mach, que inspirou o conceito de análise fun- cional; o Pragmatismo de William James (que determinou a opção de dispensar estruturas metafísicas para explicar o comportamento, atendo-se a hipóteses verificáveis); e o Evolucio- nismo de Charles Darwin (que modelou o con- ceito skinneriano de condicionamento operante, em que os comportamentos são reforçados me- diante as conseqüências que geram no meio).
Dizendo de outra forma: o autêntico tera- peuta comportamental é aquele que, ao invés de se perder em teorias e modelos abstratos de patologias, atém-se pragmaticamente à realida- de do cliente, isto é, às contingências em que ele se insere. Concomitantemente, em vez de enquadrar o paciente em estruturas tipológicas de diagnóstico, busca entender como ele funcio- na em sua singularidade individual e histórica: para a TC, o cliente é "inrotulável".
Por fim, o terapeuta comportamental não acredita que o cliente é como é porque "as coi- sas são assim", que "ele nasceu desse jeito", ou que "é parte de sua essência ter essa questão".
Muito menos que "sua personalidade é assim e sempre será também". Em vez disso, entende que todos possuem a capacidade de mudar, de adquirir novos comportamentos, e que, mesmo em idade avançada, podem evoluir. Talvez o maior diferen- cial da TC sobre as outras terapias seja o fato de ela ter uma base experimental, isto é, fundamentar- se em pesquisas que permitem a verificabilidade e falseabilidade de suas premissas. Os procedimentos adotados por um terapeuta comportamental já foram alvos de estudos científicos, originalmente em laboratórios e, em seguida, em estudos de casos controlados. A base experimental da TC começa com Thorndike, e a Lei do Efeito ("Uma ação de efeito positivo será repetida"), e Pavlov e seu con- dicionamento respondente ("Comportamentos ocorrem por respostas a estímulos").
O objetivo maior da TC não é curar um paciente, mas proporcionar o bem-estar de um cliente por uma mu- dança profunda em seu comportamento. A TC começa com a estipulação de objetivos para alcançar o bem-estar desejado e progride à medida que o cliente é modificado rumo a alcançar esses objetivos. Pode-se dizer que o cerne de toda TC está na transformação do cliente. Essa transformação ocorre à medida que ele aprende habilidades salutares para assumir o controle sobre a própria vida, tais como: to- lerância à frustração, persistência, habilidades sociais diversas, assertividade, autocontrole etc. A agenda de aprendizagens da terapia varia, ca- suisticamente, de cliente para cliente.
Fonte: Psiqué, Ciência e Vida
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