terça-feira, 25 de maio de 2010
Relacionamentos Virtuais
Simone Mello Suruagy Psicóloga
As coisas andam muito confusas, no campo dos relacionamentos afetivos.
Longe ficou o tempo no qual as famílias decidiam quem podia casar, e com quem. Isso facilitava o problema, pois, se o casamento dava certo, todos se beneficiavam. Se dava errado, havia uma distribuição eqüitativa de culpas: o casal culpava a família e vice-versa.
De qualquer forma, tinham que viver juntos até que a morte os separasse, fossem felizes ou não.
Também ficou para trás o tempo das histórias da Carochinha, onde, após muitos sofrimentos, a Branca de Neve casava e ia ser feliz para sempre. O casamento era uma coroação, uma meta, sem a qual se era discriminado socialmente. O destino traçado de toda moça era casar e ter filhos e o de todo homem, manter a família, o nome e a herança.
Você podia ser viúvo ou viúva, solteirão, jamais, pois isso seria a prova de que algo muito errado havia em sua vida.
Em toda a família, haviam algumas solteironas, as "titias", sempre discretamente ridicularizadas, mas muito úteis para o andamento de tudo. Elas cuidavam da casa, ajudavam com as crianças, faziam promessas para pagar os pecados de todos, e, na velhice dos pais, eram as responsáveis pelos cuidados e doenças e também por fechar-lhes os olhos, quando morriam.
Eram poderosas, sim, e o poder era proporcional à utilidade. Isso todos sabiam e todos usavam, especialmente elas.
O poder dos laços de família, a manutenção dos bens, a autoridade patriarcal, tudo isso tinha um cunho de estabilidade, de permanência inquestionável. E ai de quem discordasse! Romeu e Julieta que o digam!
Por mais distantes que essas lembranças nos pareçam hoje, pertencem a um tempo que durou muito e acabou há pouco.
Depois, veio o tumulto. A roda começou a rodar depressa demais e tudo, literalmente, virou de pernas para o ar.
Inúmeras mulheres hoje vivem sós e jogam as suas energias no trabalho. Virgindade não é mais um tabu, pelo contrário. Ter filhos é uma opção que independe de casamento ou mesmo de relacionamento sexual. Viajam, se divertem, sem que a companhia masculina seja indispensável ou necessária. Mesmo as que nutrem o desejo não satisfeito de ter um parceiro fixo, racionalizam a solidão, dizendo que não encontram namorado porque os homens não querem compromisso, só pensam em sexo ou em outros homens, etc.
Hoje, muitos homens continuam morando com os pais a despeito de serem adultos e bem sucedidos profissionalmente. Não há nada que os estigmatize ou diminua neste fato. É uma opção como outra qualquer, e, se todos concordam, por que não? Aí, mantêm relações afetivas superficiais e dispersas e fogem à qualquer tentativa de aprofundamento na relação, como se tivessem medo ou vergonha. Escolher uma é como se fosse abandonar a liberdade de ter todas e, sobretudo, perder aquele status de eterno adolescente.
Enfim, casamento não é mais um objetivo, e sim algo para o qual todos encontraram os seus derivativos. E, quando ele é inevitável, esta decisão vem acompanhada de dúvidas e questionamentos de toda ordem.
É como se o laço mais importante para manter o compromisso fosse a dependência, sobretudo a econômica. Como essa dependência não existe mais, os laços vão-se afrouxando até romperem de vez.
Cada uma dessas transformações trouxe a sua contrapartida no relacionamento.
Bem, mas também muitos casam e se defrontam com uma realidade de competições, dentro e fora do casal . Os parâmetros familiares se perderam, os pais não sabem mais o que ensinar os filhos em termos de regras morais, o impacto dos meios de comunicação é enorme, eles , sim, ditam as regras.
Os filhos, não tendo limites em casa, continuam sem limites fora ou elaboram com o grupo um código próprio e mutante de valores. Há um enorme avanço tecnológico trazendo uma avalanche de informações que não pode ser digerida pelo próprio volume, mas que todos buscam sofregamente engolir, porque ninguém pode passar por desinformado...É neste mesmo "meio tecnológico" que surge um novo tipo de relação, que é a relação virtual. Aquela que é mas não é, ou é exatamente porque não é, desde que somente a realidade a ameaça.
Vamos ilustrar com alguns casos.
Marta , solteira, 36 anos, era uma líder. No trabalho, ressaltavam o seu raciocínio lógico, o seu preparo técnico, a sua capacidade de estar sempre a frente dos desafios. Com os amigos, era a "mãe de todos", a que congregava, decidia, de quem todos dependiam. Morava só e mantinha com a família laços aparentemente distanciados. O relacionamento dos pais sempre fora caótico, e a decisão de sair daquele convívio foi tomada com alívio.
Namorados, não tinha nunca. Mantinha alguns casos, muito esporádicos, sempre insatisfatórios. Um dia descobriu, nos Chats da Internet , uma pessoa que em tudo correspondia ao se ideal de par perfeito : brilhante, disponível, capaz de manter um diálogo fascinante sobre qualquer assunto.
Passaram a namorar e ela concentrou ali o seu tempo livre. Descuidou-se dos amigos, fez dieta.
Naquele espaço virtual, ela era outra. Apaixonada, sem bloqueios, capaz de fazer planos e convencer a sí própria e ao parceiro internauta que iria cumpri-los. Até que um dia o rapaz, que morava em outro país, declarou que iria conhecê-la pessoalmente.
Todos os medos vieram à tona. Sim, ele veio ao Brasil, mas ela havia arranjado uma viagem de trabalho intransferível. Jamais se conheceram. O grupo, que andava à deriva desde que o romance iniciou, acolheu-a de braços abertos.
Rodolfo era casado há muitos anos. Tinha filhos e netos. Próspero homem de negócios, foi acometido de doença grave e incurável, mas que não o impedia de trabalhar e de estar freqüentemente fora de casa a negócios. Sua esposa não acompanhou o seu crescimento intelectual. Ele conjeturava que , não fosse viajar tanto, não agüentaria aquela mulher que parou no tempo e no espaço, e que só pensava em casa e família.
Bem, o que fazia ele para preencher as longas noites de solidão, enquanto viajava?
Dormir, a insônia não deixava. Procurar mulheres? Tentara isso algumas vezes, mas não dera certo, ele se sentia desconfortável, desconfiado, achava que elas só queriam o seu dinheiro. Foi nesse ponto que entrou a Internet.
As noites passaram a ter outro sabor. Conversava com mulheres de todos os lugares, brilhantes, e a todas encantava com a sua forma firme e romântica de falar. Até certo ponto era sincero, pois contava da doença, dos negócios, da família, da falta de sintonia com a esposa.. E deixava sempre, no ar, uma esperança, uma insinuação de que sua vida tomaria novo rumo, já que havia encontrado, naquele contato, a afinidade que não conhecia. Era um "grande amigo' de todas, ouvia-lhes com atenção, aconselhava, mas jamais chegou a conhecer nenhuma. Quando as coisas tomavam um rumo mais perigoso, era simples, a doença piorara, a família estava com problemas, os negócios...
Mary estava casada há 12 anos . Não tinha filhos, nem faziam falta. Dedicava-se ao trabalho com verdadeiro fervor. Em contrapartida, era admirada e requisitada. O casamento era morno. O marido era um profissional de um renome conseguido às custas de muito esforço. Os fins de semana, as noites, eram dedicados ao trabalho. Era hipertenso e não ligava para a saúde. Haviam adquirido um hábito : após o jantar, ela ia ler ou ver televisão , até adormecer. Ele continuava o trabalho, pela noite a dentro, sem hora para parar. Assim, monotonamente, todos os dias de todos aqueles anos. O relacionamento sexual também era morno, quando muito. Amigos, poucos. Uma vida morna.
Foi quando Mary descobriu que podia, ficando em casa, ter noites muito calientes.
A Internet ocupou todos os espaços: foi-se a televisão, a leitura, a monotonia. Agora, o marido ia dormir alta madrugada e ela continuava, febrilmente, alimentando vários romances ao mesmo tempo. Aquela atividade foi tomando conta de sua vida. No trabalho era assaltada pelo desejo de chegar logo, logo, para ligar o micro e ali ficar, fascinada. Naqueles momentos, ela era tudo o que sua imaginação podia conceber e ela jamais ousara realizar.
A dinâmica do casal mudou. Percebendo que algo estranho estava acontecendo, o marido procurou alterar os horários, conversar, e só conseguiu discussões. Em determinadas horas, ela era tomada de culpa, estava traindo! Chorava, emagrecia, mas não largava o hábito. Até que , um dia, não agüentou a culpa e contou ao marido. Depois de uma tempestade, onde ele também mostrou um lado desconhecido e violento de sua personalidade, tudo voltou ao antigo equilíbrio, com uma diferença: ele estava sempre desconfiado, vigilante, para ela provas de amor e atenção.
Claro está que esses exemplos não significam uma generalização. Os tempos antigos passaram, o avanço tecnológico veio para ficar, e ele coexistirá com toda carência de rumos de nossa época. Novos padrões não significam padrões inexistentes ou inconsistentes, como agora.
Ocorre que o nosso inconsciente esta aí mesmo, ontem como hoje. E ele continuará a fazer o seu trabalho, utilizando tudo em benefício próprio.
Os relacionamentos afetivos podem iniciar em qualquer lugar, inclusive na Internet.
Mas uma relação é como uma planta, precisa de luz para crescer. Que ela saia das sombras e venha enfrentar a difícil e depuradora realidade.
Caso contrário, a Internet representará, cumprindo os propósitos do inconsciente, um enorme útero protetor, onde muitos mergulharão e ficarão, docemente embalados em fantasias, podendo representar mil papéis, sem comprometer-se com nenhum
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