terça-feira, 25 de maio de 2010

Instinto Materno


Psicóloga Ana S. Botto

Instinto Materno – Uma Verdade?
“Certo dia , uma mulher de 35 anos nos interroga sobre o seu medo de ser mãe. Profissional estabilizada, não encontrava em si o famoso 'Instinto Materno'. Alguns minutos de prazer e longas horas de perturbação, assim imaginava sua relação com as crianças."

Munidas de identidade social feminina, muito próximas da imagem de Nossa Senhora, eterna provedora e nutriente, as mulheres "apenas humanas" hoje se confrontam com uma ambigüidade básica em relação a maternidade.
Se, por um lado, viver esta experiência é a realização de um investimento pessoal e relacional, por outro as fantasias de perda - depressivas, e de ataque - persecutórias, estão presentes de forma mais ou menos inconsciente, acarretando, em relação a idéia de ser Mãe, uma forte ambivalência.

A procura de uma identidade materna que preexista ao nascimento do filho, acarreta uma frustração que vem sendo o campo sobre o qual, em muitos casos, a mulher se impede de ser mãe.

Este questionamento de forma alguma é inédito em nossa sociedade. Como, no passado, a maternidade era mais uma fatalidade que uma escolha da condição feminina, não havia campo para se exteriorizar estas dúvidas. Ser mulher era uma idéia inseparável à da maternidade, sendo a negação desta vivida como defeito.

Mas, se hoje ser mãe não é mais uma imposição ao papel feminino, ainda está, em nossa cultura, o pré-conceito social da Grande-Mãe. Aquela vocação que seria inata, não mais apenas universal. A mulher que não descobre dentro de si esta "virtude", este "instinto" materno, se impossibilita desta vivência.

Proponho abandonar por alguns momentos este preceito do instinto materno. Não pensem que é tarefa fácil, pois este é mais um daqueles chavões culturais que se inscrevem em nosso pensamento como uma verdade absoluta e inquestionável.

Neste ponto, poderemos inserir uma outra premissa : os laços que vinculam com tamanha proximidade a mãe e o filho, ocasionando uma célula vivida como indissolúvel, é desenvolvido com o tempo da relação. Não há, então, um vínculo, um instinto, que exista anterior ao nascimento.

Pode-se argumentar sobre todos os sonhos que antecederam ao nascimento. Não seriam estes sintomas de um amor, as sementes da relação que está por vir?

A expectativa, na gravidez e mesmo antes desta, são de base projetiva e a criança nasce investida, não pelo "aqui e agora" da relação, mas pelo que se atualizou em sua imagem. É uma expectativa patologizante, caso persista ao nascimento, por não permitir a emergência e desenvolvimento do novo vínculo, sobrevivendo apenas a repetição.

As projeções vão sucumbindo à medida em que a realidade relacional vai- se firmando.

O nascimento é uma caixinha de surpresas, vivida com grande expectativa por seus participantes. O bebê que nasce é uma novidade e um estranho, sendo este o momento zero da relação, o qual possibilita tanto a inscrição paterna, quanto materna, em igualdade.

O novo bebê (conceito que antecede a vivência de filho) é vivido como uma ameaça à qual poderão (ou não) os pais e a família se adaptarem. Universalmente, a primeira busca no corpo deste pequeno ser são os dedos. Contam-se os dedos dos pés e das mãos, realizando a fantasia interna que ali pode ter brotado algo diferente. Como na ficção do extra-terrestre - o "E.T." de 3 dedos.

Este novo bebê vem munido de tudo que é necessário para o estabelecimento do vínculo - seu pequeno tamanho, sua fragilidade e dependência, suas gracinhas, seu choro, uma relação que se estabelece e se consolida dia após dia. Para aqueles que se permitem o convívio - Pai, Mãe e tantos outros - este apelo à relação é irresistível.

O poder e o desejo de estabelecer vínculos, este, sim, é inato ao Ser Humano.

O momento do nascimento é o Tempo-Zero da relação, onde se deve buscar despir, o mais plenamente possível, as expectativas pessoais e sociais (principalmente as relacionadas aos desempenhos dos papéis), para se investir nesta nova possibilidade de vinculação emocional que surge.

E aí , sim, criado o vínculo, nascem os papéis: Mãe - Filho, Pai - Filho. Os seres pai e mãe relacionais são uma descoberta que se estabelece a partir do vínculo e se consolida e cresce com o tempo de relação.

Neste Tempo-Zero relacional, a criança, seja adotiva ou natural, são igualmente estranhas.

O processo de adoção é um período projetivo, assim como a gravidez. Na chegada do novo e pequeno ser ao berço familiar, também estas expectativas devem ser vencidas, para o surgimento da nova relação de papéis que ali se inicia.

Aqui, também, as vivências ambíguas de perda e de ataque estão presentes, se manifestando na fantasia quanto a carga genética ou traumas acumulados que a nova criança possa trazer.

É sabido que, em curto prazo, os pais que possuem tanto filhos adotivos como naturais, já não reconhecem mais emocionalmente a diferença.

É também neste vínculo, que ser Pai e ser Mãe é vivido como descoberta e possibilidade da relação.

Mesmo o mito de que a criança é mais voltada à mãe que ao pai, deve ser analisado em função do desempenho do papel social, que reservava mais tempo de convivência à mulher com a prole, enquanto o homem preservava sua função no distanciamento.

Hoje, o homem também se permite descobrir no vínculo o seu Ser Pai, construindo esta possibilidade e podendo estar tão afetiva e instintivamente ligado a este papel quanto o Ser Mãe.

Respondendo, então, à sua dúvida, amiga, tenha a certeza que o amor em relação aos seus futuros filhos, surgirá no tempo certo, sendo desenvolvido no dia a dia assim como seu Ser Mãe.

Estas são vivências que não pré-existem em nosso interior. Nascem no vínculo, mas não sucumbem ao término deste. Um Eu (Ser Mãe ou Ser Pai), quando surge, nos acompanha por todo o sempre.

Difícil é, para os Pais, o resgate da própria dependência, na independência dos filhos.

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