sexta-feira, 7 de maio de 2010
Alcoorexia
Talvez um nome novo para um problema antigo
Assistimos nas últimas décadas a magreza ser estabelecida como estereótipo de beleza, beleza ser sinônimo de sucesso e sucesso ser uma espécie de passaporte para a vida em sociedade. As pessoas buscam desenfreadamente atingir os “valores” e padrões estéticos estabelecidos a, praticamente, qualquer preço. Os procedimentos vão desde dietas esdrúxulas, uso abusivo de substâncias prejudiciais, submissão a cirurgias agressivas, até essa “moda” de beber álcool para não comer.
As conseqüências disso tudo reflete na saúde emocional das pessoas, como é o caso do aumento vertiginoso dos transtornos alimentares, os quais já atingem 2% da população mundial, como por exemplo, a bulimia, anorexia, comer compulsivo noturno, enfim, doenças relacionadas à cultura da magreza.
A alcoorexia, alcoolrexia ou ainda ebriorexia (drunkorexia, em inglês chique) é um novo tipo de distúrbio alimentar provocado pelo culto ao corpo perfeito. Trata-se do consumo de bebidas alcoólicas com o propósito de não comer, pretendendo com isso emagrecer. A bebida alcoólica seria uma substituição das refeições.
Os riscos da alcoolrexia são maiores nas mulheres, justamente o público mais afetado pela questão do peso. Elas têm uma estrutura física diferente dos homens, com proporção corporal de gordura maior e menor quantidade de água. Isso resulta em efeitos mais graves do álcool no organismo feminino.
A incidência desse novo transtorno de comportamento, ainda não classificado pela psiquiatria, é maior entre jovens de 18 a 25 anos que querem ter sucesso entre seus pares à custa de se destacarem pela estética. Há alguns anos, os transtornos alimentares eram muito mais freqüentes em mulheres e homossexuais, entretanto, hoje em dia esse quadro vem mudando. Os homens também estão em busca da imagem determinada pela mídia.
De fato as bebidas alcoólicas podem, por efeito colateral danoso, inibir o apetite e dar a sensação de saciedade. O grande erro é acreditar que o problema está resolvido glamourosamente: além de manter a esbelteza ainda deixa a pessoa alegrinha.
As calorias estão igualmente presentes tanto no lanche, na macarronada, quanto na cerveja, uísque ou vodka. O perigo está em oferecer ao organismo uma quantidade de caloria que, diga-se de passagem, engorda, e ainda privá-lo das proteínas que, diga-se também de passagem, são importantíssimas para a saúde. Trata-se de um comportamento anômalo e doentio, uma verdadeira síndrome ligada à cultura. De quebra, esse comportamento aberrante por levar ao alcoolismo.
A gravidade do problema não deve ser avaliada de maneira isolada, porém, tal como os outros transtornos alimentares, a alcoorexia também pode se apresentar de forma múltipla, ou seja, casos de anorexia e bulimia, gravíssimos por natureza, começam a se associarem à essa nova moda de “não-ter-que-comer-graças-a-Deus”.
Tem sido na anorexia do tipo purgativo que o consumo do álcool substitutivo da comida está começando a aparecer. O anseio em querer emagrecer é mais forte do que a consciência dos malefícios dessa prática e os pacientes persistem no erro apesar de alertados.
Existem dois tipos desses transtornos alimentares. O tipo restritivo, ou verdadeira anorexia, onde a pessoa perde peso fazendo jejum, e o tipo de compulsão alimentar periódica, onde a pessoa come muito, perde o controle e depois tenta se livrar disso, seja vomitando, usando um laxante, um diurético ou um enema para evacuar, como é o caso da bulimia (veja Transtornos Alimentares em PsiqWeb).
A pretensão de tomar a alcoorexia, um misto de alcoolismo com anorexia, como uma doença ainda não foi reconhecida oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar disso esse tipo de comportamento patológico de incidência crescente é oportuno na medida em que nossa sociedade faz um grande apelo a duas questões simultaneamente: consumir bebidas alcoólicas e o tal “corpo perfeito”. Entre as bebidas alcoólicas preferidas pelos alcooréxicos, em primeiro lugar estão as bebidas destiladas, pois, conforme acreditam, a cerveja “incha”.
Alguns profissionais da área de Transtornos Alimentares consideram a alcoorexia como uma variação da própria anorexia nervosa, tendo em vista o grande número de mulheres com anorexia nervosa que fazem uso abusivo de álcool. Tratam-se dos casos onde essas pessoas deixam de se alimentar por vários dias à custa do consumo de álcool. Existe anorexia nervosa com uso abusivo de laxantes, de enemas, de diuréticos. Há pacientes anoréxicas que chegam a ingerir 20 comprimidos de diurético por dia. Seguindo o conceito da alcoorexia, no caso do abuso de diuréticos seria uma diurexia?
Parece sensata a idéia de que a alcoorexia seria apenas “uma variação do mesmo tema”, ou seja, apenas um novo nome para um velho comportamento. Os defensores dessa idéia acham que o hábito de beber sem se alimentar é um comportamento antigo e bastante comum, inclusive entre os homens também. O álcool tem um teor calórico alto o suficiente para inibir o apetite. Quanto às mulheres, sabe-se que esse comportamento já ocorre há muito tempo, porém, recentemente tem aumentado, além de ser mais notado.
Assim como acontece com os laxantes e diuréticos, o abuso do álcool na anorexia seria apenas mais uma manifestação da compulsividade humana aliada a transtornos alimentares. É por isso que alguns autores consideram que a alcoorexia existe apenas como um sintoma e não como uma doença em particular. O sintoma psicológico mais evidente continua sendo o descontentamento com o próprio corpo e o sintoma social mais importante é a obsessão em estar esbelto.
Realmente, sabe-se lá porque, talvez devido à ânsia da igualdade, a cada ano as mulheres estão bebendo mais, fumando mais, transando mais, tendo mais enfartes, vivendo mais sozinhas... E querem, cada vez mais, ter o corpo esbelto sugerido ou imposto pela cultura, talvez não para os homens, nem para si mesmas, mas para as outras mulheres. De fato, é a parte ruim da igualdade entre os sexos e da competitividade entre elas.
O abuso do álcool sempre existiu, tanto entre os homens, quanto entre as mulheres. Atualmente, entretanto, a diferença está nos objetivos dessa beberagem. Os homens geralmente continuam bebendo por prazer, mas as mulheres, que até há bem pouco tempo abominavam até o cheiro da bebida, atrelaram ao uso do álcool, além do glamour cultural, também a possibilidade (enganosa) de emagrecer.
O uso de bebidas alcoólicas sempre esteve presente nos quadros psiquiátricos; na esquizofrenia para aliviar o incômodo das vozes, na ansiedade para relaxar, nas fobias para dar coragem, na depressão para animar, no TOC para afastar pensamentos obsessivos e assim por diante. Muito embora os efeitos iniciais possam ser lenitivos, com o tempo, o uso continuado do álcool apenas agrava todos esses problemas. Na anorexia acontece o mesmo.
Segundo Glauber Higa Kaio, do Programa de Orientação em Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares (Proata) da Universidade Federal de São Paulo, 12,4% de portadores de bulimia consomem álcool, sendo a maioria deles já dependente. Entre os alcoólatras, aproximadamente 30% apresenta algum transtorno alimentar associado. Entre as mulheres dependentes de álcool ou de outras drogas, 56% delas têm algum tipo de transtorno alimentar (fonte).
Na anorexia nervosa, 50% dos pacientes se curam, 10% morrem ou continuam com o sintoma, 15% passam a sofrer com bulimia, e 15% chegam à remissão parcial dos sintomas. Segundo pesquisa de opinião, só 1% das mulheres brasileiras se acha bonita e a oferta de bebidas é grande. Juntando isso ao fato de 10% a 12% das pessoas terem predisposição para desenvolver o alcoolismo, teremos uma idéia da gravidade do problema da alcoorexia.
De qualquer forma, seja a alcoorexia uma doença em particular ou apenas um sintoma da moda, trata-se de um comportamento arriscado capaz de levar ao alcoolismo e trazer prejuízos mentais à pessoa, principalmente quando o álcool é ingerido por mulheres.
Fonte: psiqweb
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