segunda-feira, 5 de julho de 2010
Sonhar acordado estimula a criatividade, sugerem pesquisadores
Por John Tierney
New York Times News Service
A mente das pessoas parece divagar cerca de 30% do tempo, segundo estimativas de psicólogos
Finalmente, o grande sonhador está obtendo algum respeito. No passado, sonhar acordado era muitas vezes considerado uma falha da disciplina mental, ou pior. Freud rotulou a característica como infantil e neurótica. Livros de psicologia advertiam que ela poderia levar a psicoses. Neurocientistas reclamavam que as explosões de atividade em exames do cérebro interferiam com seus estudos de funções mentais mais importantes.
Porém, agora que pesquisadores analisaram esses pensamentos desgarrados, eles descobriram que sonhar acordado pode ser consideravelmente comum – e, muitas vezes, bastante útil. Uma mente divagante pode proteger você contra riscos imediatos, e mantê-lo na direção ao buscar objetivos de longo prazo. Sonhar acordado pode ser contraproducente, mas algumas vezes isso estimula a criatividade e ajuda na solução de problemas.
Imagine, por exemplo, estas três palavras: ocular, terra, aquecimento. Você consegue pensar em outra palavra que se relacione com as três? Caso não consiga, não se preocupe por enquanto. No momento em que voltarmos a discutir a significância científica deste quebra-cabeça, a resposta pode ocorrer a você através do “efeito incubação”, à medida que sua mente divaga para longe do texto deste artigo – e, sim, sua mente provavelmente divagará, não importa o quão brilhante seja o restante desta coluna.
Divagar da mente
O divagar da mente, segundo definição dos psicólogos, é uma subcategoria do sonhar acordado, que é o termo mais amplo para todos os pensamentos e fantasias – incluindo aqueles momentos em que você deliberadamente se coloca de lado, para imaginar você mesmo ganhando na loteria ou aceitando o prêmio Nobel. Porém, quando você tenta realizar algo e desliza para “pensamentos desvinculados à tarefa”, isso é a mente divagante.
Durante as horas de despertar, a mente das pessoas parece divagar cerca de 30% do tempo, segundo estimativas de psicólogos que interromperam pessoas ao longo do dia para perguntar o quais eram seus pensamentos. Se você está dirigindo por uma estrada reta e vazia, sua mente pode divagar por três quartos do tempo, de acordo com dois dos principais pesquisadores, Jonathan Schooler e Jonathan Smallwood, da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara.
“As pessoas deduzem que a mente divagante é algo ruim, mas se não pudéssemos fazer isso durante uma tarefa tediosa, a vida seria terrível”, explica Smallwood. “Imagine se você não pudesse escapar mentalmente de um congestionamento”.
Você ficaria preso observando a massa de carros parados, um exercício mental que é muito menos agradável do que sonhar com uma praia – e muito menos útil do que imaginar o que fazer assim que sair da estrada. Existe uma vantagem evolutiva com o sistema cerebral da mente divagante, afirma Eric Klinger, psicólogo da Universidade de Minnesota e um dos pioneiros nesse campo.
“Enquanto uma pessoa está ocupada com uma tarefa, esse sistema mantém a pauta maior do indivíduo mais fresca em sua mente”, escreve Klinger em “Handbook of Imagination and Mental Simulation”. “Assim, ele serve como um tipo de mecanismo de lembrete, aumentando a probabilidade de que as outras buscas de objetivos permanecerão intactas – e não se perderão na confusão de se buscar muitos objetivos”.
Obviamente, muitas vezes é difícil dizer qual pauta é mais evolutivamente adaptável em dado momento. Se, enquanto o professor dá aula, os alunos começarem a observar colegas do sexo oposto sentados por perto, seus cérebros estarão perdendo conhecimento vital ou trabalhando na pauta mais importante de encontrar um parceiro? Depende da aula.
Desvantagens
Mas mente divagante parece claramente uma estratégia duvidosa, se, por exemplo, você está colado demais no carro da frente – e ele freia. Ou, para citar atividades que foram estudadas em laboratório, quando você está sentado sozinho, lendo “Guerra e Paz” ou “Razão e Sensibilidade”.
Se a sua mente está em algum outro lugar enquanto seus olhos percorrem as palavras de Tolstoi ou Austen, você está perdendo seu próprio tempo. Seria melhor fechar o livro e fazer algo mais satisfatório ou produtivo do que “leitura desatenciosa”, como os pesquisadores chamam isso.
Porém, quando pessoas se sentam num laboratório com nada em pauta, exceto ler um romance e relatar quando sua mente divaga, num período de meia hora eles geralmente relatam de um a três episódios. E esses são apenas os lapsos que eles próprios percebem, graças a seus cérebros divagantes estarem num estado de “meta-consciência”, como o fenômeno é chamado por Schooler.
Ele e outros pesquisadores também estudaram as muitas outras ocasiões em que os leitores não percebem suas próprias mentes divagantes, uma condição conhecida na literatura psicológica como “hiperfoco” (para variar, jargão técnico). Quando os pesquisadores interrompiam esporadicamente a leitura dos participantes para perguntar se suas mentes estavam no texto naquele momento, cerca de 10% das vezes eles respondiam que seus pensamentos estavam em outro lugar – mas eles não estavam cientes da divagação até serem questionados a respeito.
“É assombroso pensar que escorregamos para dentro e para fora com tanta frequência que nem mesmo percebemos que tínhamos saído”, diz Schooler. “Temos essa intuição de que somos obrigados a saber o que se passa em nossas mentes: penso, logo existo. Esse é o último bastião do que sabemos, e nós nem mesmo sabemos isso tão bem”.
Hiperfoco
A frequência do hiperfoco mais do que dobrou em experimentos de leitura envolvendo fumantes que desejavam um cigarro, e com pessoas que receberam um coquetel de vodca antes de começar a ler “Guerra e Paz”.
Além de aumentar a quantidade de divagações, a pessoa deixou o álcool com menos chances de perceber quando sua mente divagava do texto de Tolstoi. Em outro experimento de leitura, os pesquisadores distorceram uma série de frases consecutivas, trocando a posição de dois substantivos em cada uma – da forma como “álcool” e “pessoa” foram trocadas na frase anterior deste parágrafo. No experimento em laboratório, mesmo com os leitores sendo avisados para procurar partes sem sentido em algum lugar da história, apenas a metade deles visualizou as trocas à primeira vista. O restante leu a primeira frase distorcida e continuou adiante, passando por diversas outras antes de notar qualquer coisa fora de ordem.
Para mensurar mais diretamente a divagação mental, Schooler e dois psicólogos da Universidade de Pittsburgh, Erik D. Reichle e Andrew Reinebergm, usaram uma máquina que rastreava o movimento dos olhos dos participantes enquanto liam “Razão e Sensibilidade” numa tela de computador. É bom que Jane Austen não esteja por aqui para ver os resultados do experimento, que deverão aparecer numa das próximas edições da “Psychological Science”.
Ao comparar os movimentos dos olhos com a prosa na tela, os pesquisadores podiam dizer se alguém estava desacelerando para entender frases complexas ou simplesmente varrendo as letras sem compreender. Eles descobriram que, quando a mente da pessoa divaga, o episódio pode durar até dois minutos.
Exatamente para onde a mente vai nesses momentos? Ao observar pessoas em descanso durante exames cerebrais, neurocientistas identificaram uma “rede padrão”, ativada quando as mentes das pessoas estão especialmente livres para divagar. Quando as pessoas assumem uma tarefa, a rede executiva do cérebro se ilumina para emitir comandos, e a rede padrão muitas vezes fica suprimida.
Mas, em alguns episódios de divagação mental, ambas as redes disparam simultaneamente, de acordo com um novo estudo conduzido por Kalina Christoff, da Universidade da Columbia Britânica. Por que as duas redes ficam ativas ainda é motivo de discussão. Uma escola teoriza que a rede executiva está trabalhando para controlar os pensamentos desgarrados e colocar a mente de volta na tarefa.
Outra escola de psicólogos, que inclui os pesquisadores de Santa Barbara, teoriza que as duas redes trabalham sobre pautas além da tarefa imediata. Essa teoria poderia ajudar a explicar por que, segundo alguns estudos, pessoas inclinadas a divagar também conseguem maiores pontuações em testes de criatividade, como o quebra-cabeça de associação de palavras mencionado anteriormente. Talvez, ao colocar as duas redes do cérebro para trabalhar simultaneamente, essas pessoas tenham maior probabilidade de perceber que a palavra que se relaciona com ocular, terra e aquecimento é globo: como em “globo ocular”, “globo”, e “aquecimento global”.
Para encorajar esse processo criativo, Schooler diz, pode ajudar se você sair para correr, caminhar, fizer tricô ou apenas se sentar rabiscando papel – isso porque tarefas relativamente simples parecem libertar sua mente para divagar de maneira produtiva. Mas você também quer ser capaz de se surpreender no momento “eureca”.
“Para a criatividade, você precisa que sua mente divague”, afirma Schooler, “mas você também precisa ser capaz de perceber que está divagando, e capturar a ideia quando ela aparece. Se Arquimedes encontrasse uma solução na banheira, mas não percebesse que havia tido a ideia, que bem isso lhe teria proporcionado?”
Tradutor:
Gabriela D'Ávila
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